Investindo no FII KNRI11, poderíamos viver de renda?
Essa reflexão, na verdade uma série de reflexões, foi motivada por um comentário num fórum.
No dito comentário, a pessoa argumentava (de maneira pobre e simplificada, diga-se de passagem), que uma personagem fictícia, digamos Dona Cotinha, investiu seu dinheiro em FIIs (Fundos de Investimento Imobiliários) para complementar sua renda. E, depois de algum tempo, Dona Cotinha se viu na amargura, devido aos rendimentos terem se mantido nominalmente iguais (ou até mesmo, em alguns casos, decrescido).
Desse cenário, me veio a seguinte pergunta: investindo em FIIs, poderíamos manter uma determinada renda? Se sim, poderíamos contar somente com o montante inicial para gerar os rendimentos, ou seria necessário algum grau de investimento?
Com essas perguntas em mente, decidi coletar alguns dados e fazer algumas simulações. Descrevo a seguir o processo que fiz, bem como algumas considerações e conclusões.
O período
Em primeiro lugar, decidi qual período analisar. O mais comum seria pegar um período fechado e "redondo", como dez anos. Como comecei a fazer esses estudos em setembro de 2024, tomei como limite o mês de julho de 2024, uma vez que já teria o valor da inflação de 07/2024 apurado e também os rendimentos referentes a esse mês (pagos em agosto/2024).
Portanto, o natural seria considerar como início do período, o mês de julho de 2014. Entretanto, como o já referido comentarista de fórum usou o período do meio do ano de 2012 para seus argumentos (já que em 2012 tivemos uma alta nos preços e em 2014 tivemos um bom período de baixas, o que deixava os números de seus argumentos melhores), decidi usar também o período começando em julho/2012, considerando o primeiro pagamento de rendimentos em agosto/2012.
O fundo
Como um dos fundos geralmente criticados pelo comentarista de fórum é o KNRI11, resolvi usá-lo para uma das análises. Além disso, o fundo tem fama de ser de qualidade, além de ter um histórico longo - no ClubeFII consta que seu início (o chamado IPO - oferta inicial pública, em inglês) se deu em 01/12/2010.
Como foi feita análise - dados e premissas
Em primeiro lugar, foi recuperado o histórico de valores de cotação diária do fundo KNRI11, através do site da B3 (neste link). O site da B3 disponibiliza o histórico por ano, de todos os ativos negociados (neste caso específico, do mercado a vista). É um pouco trabalhoso recuperar os dados de um ativo em específico, mas nada que um programa que automatize o processo não dê conta.
Em seguida, recuperou-se o histórico de pagamento de rendimentos do fundo. Para isso, foi utilizado como fonte o site Investidor10. Infelizmente, tanto o Investidor10 quanto vários outros sites (como Fiis.com ou Status Invest) só têm o histórico de rendimentos até 2016, quando houve uma mudança nos sistemas da B3. Para os dados de pagamento anteriores a esse período, foi preciso pesquisar no site da B3, no link de Documentos Anteriores, num processo manual de recuperar antigos documentos de distribuição de rendimentos.
Como parâmetro para análise, considerei dois cenários. Em um, a personagem fictícia Dona Cotinha iria usar o equivalente a um salário mínimo, usando o valor oficial do salário mínimo brasileiro. Foi usado como fonte de dados do salário mínimo o site do Dieese.
No segundo cenário, Dona Cotinha iria começar usando um valor arbitrário que seria corrigido pela inflação. Como praxe, usei um número redondo, como mil reais, mas que deixei em aberto para ser alterado. Note-se que o aumento oficial do salário mínimo é maior que a correção pela inflação nesse período.
Note-se também que foram usados dados de cotação e rendimentos já ajustados pelo split, ou desdobramento de cotas, que o KNRI11 sofreu. O desdobramento ocorre quando um fundo pega a cota e divide em várias, mas o valor nominal também é dividido. No caso específico, o KNRI era negociado com valores acima de R$ 1000 (o que no mercado chama-se de base mil) e sofreu o desdobramento por 10, ou seja, no dia seguinte ao desdobramento quem tinha uma cota passou a ter 10, mas se o valor era R$ 1200, no dia seguinte o valor de cada cota passou a ser R$ 120 (note que o valor total do patrimônio não é alterado).
Como foi feita a análise - a planilha
Para analisar os dados, montei uma planilha com três abas. A planilha pode ser vista neste link (se quiser alterar os valores para simular outros aportes iniciais ou valores, você deve criar uma cópia da planilha, que será a sua cópia pessoal, e poderá alterá-la).
A primeira aba consiste simplesmente dos dados de cotações obtidos da B3. Na prática, usei somente a coluna de data e do preço médio do dia, preço esse que foi usado nos casos em que foi simulada a compra de mais cotas.
Nas segundas e terceiras abas estão organizados os dados para análise.
Na segunda aba, a que contém o cenário considerando o salário mínimo, temos dois parâmetros iniciais, que podem ser alterados para fazer várias simulações. Esses parâmetros estão na cor verde e se referem ao valor do preço médio considerado para obtenção das cotas e a quantidade inicial de cotas que foram adquiridas.
Por padrão, usei o preço médio das cotas no mês de 07/2012. A quantidade inicial de cotas está, por padrão, com o valor mínimo de cotas para que, ao longo do período, Dona Cotinha nunca tenha tido um mês sem ganhar o seu salário mínimo.
A ideia da planilha é simular, mês a mês, o seguinte comportamento: Dona Cotinha receberia seus rendimentos e retiraria o salário mínimo. Em seguida, com o excedente, iria comprar o máximo de cotas do fundo, fazendo um reinvestimento no mesmo fundo. Para isso, usou-se o preço médio do dia do recebimento de proventos.
Como no Brasil não temos mercado de fração de cotas, o dinheiro que sobrasse da retirada do salário mínimo e do reinvestimento, poderia ser considerado um treat para Dona Cotinha, um dinheiro a mais para comprar um docinho.
A terceira aba segue a mesma ideia da segunda, com a diferença que não é usado o salário mínimo, mas um valor arbitrário inicial que é corrigido pelo IPCA (fonte de dados: site do IBGE). Por padrão, usei 1000 reais como valor.
Análise
É fato. Caso Dona Cotinha tivesse comprado apenas a quantidade necessária de cotas para receber o valor no primeiro mês, logo iria ter um rendimento mensal aquém do esperado. Isso reforça o aspecto de RENDA VARIÁVEL do investimento.
Nesse caso, Dona Cotinha começaria comprando 889 cotas do KNRI11. Considerando um preço médio de R$ 175,07, o patrimônio inicial teria de ser R$ 157.387,93, o que inicialmente renderia R$ 622,30 reais, pouco acima do salário mínimo de R$ 622,00.
De fato, ao compararmos os rendimentos com o salário mínimo oficial, logo no próximo ano (01/2013), com o reajuste no salário mínimo, o KNRI11 passaria a não pagar o suficiente, só voltando a ficar com rendimentos positivos (acima do mínimo) em 07/2013. Entretanto, a partir de 01/2016, os rendimentos praticamente nunca mais alcançaram o patamar do salário mínimo (com uma única exceção).
Da mesma maneira, ao compararmos os rendimentos com um salário puramente reajuste pelo IPCA, algo semelhante acontece.
Neste cenário, Dona Cotinha nunca teria reinvestido nada, afinal, em muitos meses não teria nem o valor do salário mínimo para retirar.
Agora, vamos explorar outro cenário. Um cenário obviamente fantasioso, mas que pode nos revelar alguns insights e ponderações interessantes.
Suponhamos que Dona Cotinha tivesse conseguido prever tanto os mercados (valor das cotas), quanto os rendimentos. E quisesse começar investindo apenas o suficiente para que nunca os rendimentos ficassem abaixo do salário mensal pretendido. Mas apesar dos seus poderes mediúnicos, Dona Cotinha continuasse com o mesmo procedimento, de comprar mais cotas na data de pagamento dos rendimentos, pelo preço médio do dia.
Como seria esse cenário?
Considerando o salário mínimo oficial, Dona Cotinha teria que comprar inicialmente 1.412 cotas, totalizando um valor de R$ 247.198,84. O valor inicialmente recebido seria de R$ 988,40. Dona Cotinha retiraria o salário mínimo (R$ 622,00), o que daria uma sobra de R$ 366,40. Com esse dinheiro, seriam compradas mais duas cotas, sobrando ainda R$ 32,68 para gastar livremente.
Com isso, no mês seguinte Dona Cotinha teria 1.414 cotas, o que lhe renderia R$ 989,80, que retiraria o salário mínimo e compraria mais duas cotas e assim por diante.
Nesse cenário, mesmo nos meses mais duros do histórico (os anos 2020 e 2021, de pandemia), Dona Cotinha conseguiria sempre retirar um salário mínimo dos seus rendimentos de FIIs.
No caso de Dona Cotinha querer receber um salário de 1000 reais, reajustados sempre pelo IPCA, teria que comprar inicialmente 2046 cotas, totalizando um valor inicial de R$ 358.193,22. O valor inicialmente recebido seria de R$ 1.432,20, que teria R$ 1.000,00 retirados a título de salário, R$ 333,72 seriam usados para comprar 2 novas cotas e ainda sobrariam R$ 98,48 para Dona Cotinha gastar livremente.
No mês seguinte, Dona Cotinha teria então 2048 cotas, recebendo R$ 1.433,60 e assim por diante.
Dado que o cenário considerando um salário mínimo é mais restritivo (já que o salário mínimo teve crescimento acima da inflação), vamos ver alguns números deste cenário.
Para que Dona Cotinha sempre tivesse um salário mínimo, vemos que o percentual de reinvestimento oscilou entre 0% e 48,89%. Nos meses pandêmicos, não houve nenhum reinvestimento, como podemos ver no gráfico abaixo. Isso já era esperado, uma vez que esse período foi o de menores rendimentos nominais.
Interessante notar que, para passar pelo período de vacas magras, Dona Cotinha teve que sempre fazer alguns reinvestimentos, sendo que ao longo do período a média de reinvestimento necessária foi de 23,32%.
No gráfico abaixo, vemos a quantidade de cotas compradas:
Ao final do período analisado, Dona Cotinha teria 1760 cotas (contra 1412 iniciais), um aumento de 24%. O valor em reais do patrimônio, considerando a cotação média do dia 14/08/2024 (de R$ 154,36), seria de R$ 271.673,6 (contra R$ 247.198,84) iniciais, um aumento modesto de 9,9%.
Conclusão
É fácil tirar qualquer conclusão olhando para trás, escolhendo cuidadosamente quais dados levar em conta e quais período analisar. Até mesmo por isso, deixo a planilha usada para quem quiser fazer alguma outra simulação.
Neste pequeno estudo conseguimos verificar que, com um patrimônio que gere um valor mensal maior do que o pretendido ser gasto, seria possível retirar um salário mínimo, usando o fundo KNRI11 e usando uma estratégia simples.
Entretanto, o patrimônio inicial teria que ser substancialmente maior do que o mínimo requerido para gerar um salário mínimo inicial. Teriam que ser necessárias 1412 cotas iniciais para que em todo o histórico a pessoa conseguisse retirar um salário mínimo, contra 889 cotas iniciais para se retirar um salário mínimo no momento inicial da análise, um valor 58,8% maior.
Obviamente, a análise não leva em conta uma gestão ativa, o que poderia ter impulsionado muito os retornos de Dona Cotinha, o que facilmente podemos deduzir olhando o gráfico de preços das cotas.
Entretanto, tudo o que fizemos até agora foi olhar os dados do passado. E isso é tudo o que podemos fazer com certeza absoluta, de 100%. Qualquer projeção futura é sujeita a erros e vieses, trabalho que deixo para analistas fundamentalistas qualificados. Porém, é válido lembrar que mesmos estes usam premissas em suas projeções, premissas essas que podem se mostrar muito incorretas.
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